Cenas Culturais

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segunda-feira, 19 de maio de 2014

Chico Buarque - músicas para o teatro (1)



     O "Inquietações" desta semana será sobre? Teatro! Se fosse há um tempo, seria sobre seriados de televisão. Não que não goste mais. Vejo, acompanho muitos por sinal e até falo de alguns deles às sextas-feiras, junto com cinema. Só que desde que começaram as aulas de teatro, meu foco virou para esta área. E também como não tenho amigos na 5a arte, tenho que colocar minhas inquietações aqui.

     Nesta semana falaremos sobre um dos cantores brasileiros mais famosos, Chico Buarque de Hollanda. Lógico que não conseguiremos falar de Chico somente em uma postagem. Em breve, voltaremos ao assunto, comentando também as peças que entrarão em cartaz dele e sobre ele - "Todos os Musicais de Chico em 90 Minutos" e "Os Saltimbancos Trapalhões" de Moeller e Botelho; e "O Grande Circo Místico", com músicas sua e de Edu Lobo.

     Chico Buarque, além de musicar as peças "Morte e Vida Severina", "Os Saltimbancos" (também sua versão para o cinema "Os Saltimbancos Trapalhões"), "O Corsário do Rei" e "O Grande Circo Místico" (as duas últimas com o parceiro Edu Lobo), escreveu quatro peças - "Roda Viva", "Calabar", "Gota D'Água" e "Ópera do Malandro".

     Para começar, está terminando o curso "Vivenciando o Teatro", que estou fazendo. Nestas últimas aulas, iremos discutir e montar cenas baseadas nas músicas de Chico Buarque, visto que além de ser um escritor também para teatro; suas músicas tem letras que contam histórias que podem ser transpostas para o palco. A primeira música escolhida foi "Cotidiano"


     "Cotidiano" foi lançada no álbum "Construção" de 1971, que também tem as faixas "Deus Lhe Pague", "Construção", "Samba de Orly", "Minha História ou Gésu Bambino", entre outras.

 "Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual

E me beija com a boca de hortelã

Todo dia ela diz que é pra eu me cuidar
E essas coisas que diz toda mulher

Diz que está me esperando pro jantar

E me beija com a boca de café

Todo dia eu só penso em poder parar
Meio dia eu só penso em dizer não

Depois penso na vida pra levar

E me calo com a boca de feijão

Seis da tarde como era de se esperar
Ela pega e me espera no portão

Diz que está muito louca pra beijar

E me beija com a boca de paixão

Toda noite ela diz pra eu não me afastar
Meia-noite ela jura eterno amor

E me aperta pra eu quase sufocar

E me morde com a boca de pavor

Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual

E me beija com a boca de hortelã"


     Na música, Chico retrata a vida de um casal, narrando um dia de sua vida. Começa ao amanhecer, passa pela tarde e termina a noite. É até meio óbvio, mas através da obviedade, Chico consegue colocar em música, o que é a vida de quase todo mundo - uma rotina. Mas como dizem, as músicas mais fáceis são as mais difíceis de se fazer.

     "Cotidiano" trata sobre alguns assuntos:

     a) a vida - por mais que achamos que nossa vida será diferente, ela é uma eterna rotina. Fazemos sempre as mesmas coisas diariamente. A noite, antes de dormir, planejamos o que temos para fazer no dia seguinte, mas tirando algumas poucas atividades, ele será igual ao anterior. Isso faz com que esperemos os finais de semana e feriados com uma avidez, pois depositamos nossas esperanças que nessas datas, nossas vidas saiam da rotina.

     b) a vida de um casal - se a rotina a sós já é um tédio, imagina a de um casal. Falam que depois que você suou a camisa para conquistar a pessoa amada, vem o casamento e com isso a rotina. Não é mais necessário fazer algo diferente, pois vocês já estão juntos. Com isso, na música, as ações acontecem corriqueiramente, com sorrisos pontuais, com a boca com o mesmo sabor, já sabendo que ela estará esperando-lhe no portão.

     Isso mata qualquer relacionamento. Na música, isso transparece na hora do trabalho. Ele quer jogar tudo para o alto, pensa em parar - muito provavelmente com sua rotina, mas ele pensa na sua vida, perde a coragem e resigna-se com a boca cheia de feijão.

     Não temos pistas sobre a vida da mulher, isso por causa do item a seguir.

     c) contexto histórico - a música foi feita em um contexto histórico definido. Na década de 60 e 70, principalmente, vivia-se em uma sociedade patriarcal. O homem que saía para trabalhar e trazia o sustento para a casa. A mulher era a "dona do lar". Como diz Chico, ela acordava mais cedo, arrumava-se e só depois iria despertar o marido. Enquanto ele se arrumava, ela preparava o café e a marmita do almoço.

     Do momento da saída do marido para o trabalho até seu retorno, não sabemos nada da vida da mulher. Corrobora com o que foi dito no parágrafo anterior. Mas, pensando em Nelson Rodrigues, será que ela também não estava cansada de sua vida, não queria algo a mais, mas não tinha coragem? Uma mulher divorciada nessa época não era bem vista pela sociedade. Será que ela está resignada com sua vida? Se a música fosse feita agora, será que teria a mesma sequência?

     Voltando ao "Cotidiano", vemos que ela está esperando seu marido no portão, como faz sempre. Começa a beijá-lo com paixão. Deve ser por causa do que acontecerá no próximo verso. Já é noite, o jantar já acabou. É quando ela pede para ele não se afastar. Só pode ser porque ele vai sair e ela ficará só em casa.

     Onde ele vai? Para um bar, beber com os amigos? Encontrar-se com a amante, que faz com que por uns poucos momentos, ele saia da rotina? Por que ela pediria que ele não se afastasse? Tanto que, quando ele chega por volta da meia-noite, ela fica tão contente com seu retorno, que não foi abandonada, que o aperta quase sufocando-o. Beija-o muito mas com uma boca de pavor.

     d) A boca - representa a oralidade, a forma da intimidade. Como a criança se alimentará do seio materno. Como expressamos o que queremos dizer (muitas vezes, não o que pensamos). Na música, ela é citada ao final de cada estrofe - boca de hortelã, boca de café, boca de feijão, boca de paixão e boca de pavor.

     Chico é realmente um dos nossos maiores poetas/cantores/cronistas da vida do brasileiro. Através de suas músicas, além de apreciarmos uma melodia bonita e com uma linda letra, podemos também pensar sobre o que uma sociedade vivia em um determinado momento.

     Como disse no começo, voltaremos várias vezes a Francisco Buarque de Hollanda.

     Curiosidade: Citei no primeiro parágrafo desta postagem que o Teatro é a 5a arte. Mas o que é isto?  É uma classificação adotada na Europa, do final do século 18, que retrata as "Belas Artes" - Arquitetura, Pintura, Escultura, Música, Literatura e Teatro. O Cinema apareceu em um texto de Ricciotto Canudo, um teórico e crítico italiano cinematográfico, em 1911, que publicou um texto "La Naissance d'un sixiéme art", onde diz que o Cinema é o resumo das outras artes.

     Se utilizarmos as musas gregas, filhas de Zeus e Mnemósine, que citei na primeira postagem do Cenas Culturais - O porquê deste blog - seriam Melpômene e Talia, as musas da Tragédia e da Comédia, respectivamente. Abaixo temos uma pintura das duas musas, obra de arte de Inna Orlik. Reparem que elas carregam as máscaras dos dois principais gêneros do Teatro.


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